A revolução Impressionista
Muito mais que um movimento artístico o Impressionismo foi o primeiro amor do meu olhar. Deixa-me te contar por quê.
O Impressionismo tem um espaço reservado no meu coração desde a infância. Meu primeiro encontro com esse movimento aconteceu quando eu tinha apenas nove anos. Lembro-me com nitidez a sensação que tive ao encarar uma tela de Monet, foi como se o mundo tivesse parado de girar, o meu redor havia silenciado, parecia que o tempo tivesse se esquecido de passar. Fui, aos poucos, me aproximando da tela – cheguei tão perto que uma funcionária do museu me deu um sermão – eu sentia que precisava absorver cada detalhe, entender cada pincelada, eu queria entrar naquela tela, mergulhar naquele universo de luz e de movimento e ficar lá dentro. Dentro daquela paz que o quadro emanava para a realidade.
Observei por tanto tempo que meus olhos quase tocaram a tinta, as pinceladas começaram a se revelar: justapostas, soltas e vibrantes, como pequenas danças que, de longe, se transformavam em cena viva, em movimento, em pura arte.
Na casa dos meus pais, há um quadro de uma artista brasileira inspirada nos lírios de Monet. Passei anos contemplando aquela obra, imaginando quanto tempo, quanta paciência, quanta alma seriam necessárias para converter um sentimento em imagem. Até hoje não sei a resposta.
Foi assim que nasceu em mim uma curiosidade incontrolável pela arte. Em meio a tantos cursos que fiz sobre o tema (aliás, recomendo fortemente os cursos do MAM, tanto online quanto presenciais), descobri o quanto o Impressionismo foi uma ruptura histórica.
Naquela época, o artista não criava por impulso ou inspiração. A arte obedecia aos desejos dos patronos: pintar era cumprir uma encomenda. A criatividade, limitada. A independência, inexistente. Foi então que o Impressionismo se ergueu como um suspiro de alívio.
Esses artistas se libertaram. Passaram a pintar o que viam, o que sentiam, o que sonhavam. Romperam com os ateliês escuros e foram para a rua, capturar a luz, o instante, a vida como ela se apresenta em sua forma mais efêmera. Eram chamados de “artistas independentes” não por acaso: recusavam as amarras da tradição e pintavam sem a interferência de terceiros. Era uma arte feita de liberdade, e isso era profundamente revolucionário.
Mais do que retratar grandes eventos políticos e religiosos, os impressionistas queriam capturar o que escapa aos olhos: a beleza do cotidiano, o sopro do vento, o reflexo fugaz na água, o aroma invisível de um jardim, o silêncio dourado de uma tarde qualquer. Tudo isso antes mesmo de existir uma câmera de filmar — e, dizem as fofocas da história da arte, talvez tenham sido eles a inspiração para Edison criar o cinescópio. Quem sabe?
A influência oriental, especialmente das gravuras japonesas, também deixou marcas: enquadramentos assimétricos, composições espontâneas, uma estética que valoriza, o fugidio, o natural.
Mas os críticos da época não perdoaram. Chamaram-nos de preguiçosos, desleixados. Disseram que suas obras eram meras “impressões”, inacabadas, indignas. Entendo que, assim como hoje, existia muita dificuldade em ver beleza na vida comum, apenas grandes feitos conquistavam o prêmio de serem retratadas em obras de artes, tratar o convencional como arte foi visto como ousadia.
Mas o Impressionismo fez exatamente isso: revelou a beleza do banal, transformou o cotidiano em poesia. E isso, ainda hoje, continua sendo um ato de coragem.
Esses artistas não eram apenas dedicados eram absolutamente obcecados. Pintavam a mesma paisagem dezenas, centenas de vezes. Não buscavam a perfeição da forma, mas o arrepio que a luz poderia provocar em quem a visse. Não pintavam com tinta. Pintavam com coração, com emoção.
Artistas revolucionários e suas histórias:
Claude Monet, por exemplo, não pintava jardins, ele os criava. Literalmente.
O lago com as ninfeias, a ponte japonesa, os salgueiros pendentes: tudo em Giverny foi plantado e moldado por suas próprias mãos, como se o artista precisasse construir a realidade para então transformá-la em arte. Ele dizia que a luz mudava a cada instante, e por isso pintava o mesmo motivo repetidas vezes (catedrais, palheiros, estações) perseguindo a dança efêmera entre cor, sombra e tempo. Para ele, o mundo não era fixo: era vibração, era filme, era sensação.
Pierre-Auguste Renoir tinha outro olhar: enquanto Monet se encantava com paisagens e reflexos, Renoir era fascinado pela figura humana. Suas telas são repletas de calor e leveza, com personagens que parecem sorrir mesmo sem abrir a boca. Renoir pintava como quem se apaixonava pelas pessoas, pelos corpos, pelos encontros ao ar livre. Dizem que ele considerava a arte um refúgio da dor, e talvez por isso suas telas pareçam tão felizes, mesmo quando carregam as marcas do tempo.
Camille Pissarro, por sua vez, foi o grande elo entre todos eles, um dos percursores do movimento. Judeu, anarquista, caribenho de nascimento e francês por adoção, Pissarro acreditava numa arte feita para o povo, livre das convenções da Academia. Pintava camponeses e operários, ruas e lavouras, sempre com uma ternura contida. Era como se quisesse, em cada pincelada, registrar a dignidade da vida comum. Infelizmente, seu ateliê foi invadido e inúmeras telas que demonstravam sua originalidade no impressionismo ficaram perdidas, sem menção histórica.
E enquanto os homens ocupavam os salões, mesmo que rejeitados pela crítica, as mulheres impressionistas precisavam conquistar espaço com ainda mais força. Berthe Morisot foi uma dessas pioneiras. Era comum naquela época que as mulheres receberem aulas de artes (pintura, música, poesia...) mas nunca poderiam trabalhar com esses talentos. Morisot, pintava com delicadeza furiosa, capturando cenas domésticas e femininas com uma força rara. Foi modelo, aluna e depois companheira artística de Manet. Suas obras são suspiros em forma de cor, mas seu gesto foi político: mostrar que a vida cotidiana de uma mulher também é arte digna de eternidade.
Edgar Degas, ao contrário dos colegas que preferiam o ar livre, mergulhava na intimidade dos espaços fechados. Seus balés, corridas de cavalos e cenas de lazer têm uma energia quase voyeurística, como se espiasse o instante por uma fresta. Degas era obcecado por movimento, especialmente o feminino. Capturava bailarinas não só na leveza dos palcos, mas também nos bastidores, cansadas, atentas, humanas. Era, ao mesmo tempo, fascinado e crítico. A beleza para ele morava na tensão.
E então, surge Gustave Caillebotte, talvez o mais “moderno” dos impressionistas. Suas obras têm perspectiva quase fotográfica, com cenas urbanas que nos fazem sentir o peso do concreto, a distância entre as pessoas, o cinza úmido de Paris. Caillebotte era engenheiro e colecionador, e seu trabalho revela uma sensibilidade que flerta com o realismo. Mas o que emociona em suas telas é o silêncio: ruas vazias, homens de chapéu atravessando pontes, como se, no meio da cidade, ele estivesse procurando uma ausência.
Esses artistas, cada um à sua maneira, pintaram história, revolução. Eles não buscavam apenas retratar o mundo, queriam reinventá-lo. E talvez seja isso que ainda me prende ao Impressionismo: a capacidade de me lembrar que a beleza está em todo lugar, até nas coisas mais passageiras. Que a luz de uma tarde comum pode nos emocionar mais do que uma peça grega.
Que a arte, quando livre, nos devolve o que há de mais humano: a emoção da beleza escondida no cotidiano.
Texto brilhante ! sua escrita é apaixonante ! vc nos transmite informações históricas de uma maneira leve e instigante !
sou apaixonada pelo movimento impressionista - ainda mais depois de visitar Giverny (existe um eu antes e depois daquele lugar)